🎶Salve o Coringa...
Três apelos e algumas histórias sobre o único tópico que pautou toda cobertura esportiva sobre o jogo dos Eagles no estádio do Corinthians.
6 e ônibus.
Você liga a TV e lá está Carlos Tramontina, no seu impecável terno cinza, abrindo o jornal da tarde: “Um grito de ‘O Eagles joga de azul’ ecoou pelas ruas do bairro do Bixiga, centro de São Paulo, agora à tarde. O barulho veio das tradicionais escadarias da Rua 13 de Maio, um querido cartão-postal da cidade. Mas quem passava por lá diz que o grito não tinha sotaque de turista.”
Você reconhece o lugar; uma cena frequente nas fotos de todas ✨✨única pessoa descolada ✨✨ espalhadas pelo Instagram. Logo em seguida, aparece um dos entrevistados na tela: “Tinha que ser um careca... Tava com o rosto todo pintado de cinza brilhante. Parecia o Freddy Mercury do Pânico indo jogar futebol americano? Não entendi nada.”
Entra no ar uma gravação de pessoas num laboratório de informática, gesticulando sem som e fingindo que estão fazendo algo. A voz de Tramontina dá a seriedade necessária: “O trabalho da polícia contou com uma mãozinha da tecnologia para reconstruir a fala em inteligência artificial. Vamos ouvir:”
Procurem a verdade! Olhem os números do RGB, no HEX Color, no simulador de cores da Tinta Coral. Midnight Green é azul. É azul! Essa cor nem existia de inventarem esse uniforme! É Azul! O Eagles joga de azul!
A transmissão volta para a bancada e um Carlos Tramontina desconfortável. O relógio mostra 6 e Cringe. Tentando esconder as expressões conflitantes de vergonha alheia e confusão, ele continua: “O rapaz foi prontamente liberado por não representar nenhuma ameaça. Porém, segundo o relato da polícia no 1º DP da Liberdade, ele saiu desviando de obstáculos invisíveis e gritando ‘McCoy‘ a cada corte seco.”
Bastaria ler que a polícia conseguiu agir de forma comedida, eficiente e prudente na situação mais comum do centro de São Paulo para saber que isso é apenas uma obra de ficção. Mas não pensem que estou longe de virar protagonista na Nota de Rodapé: “Novo Coringa de Jandira ataca após ouvir ‘Eagles não pode jogar de verde na Arena Neo Química’ pela milésima vez.”

Para deixar claro desde o início: eu odeio o Corinthians. Não pretendo dedicar nenhuma linha desse texto para essa agremiação. Eu não poderia me importar menos com esse Esporte ClubE paulista. Graças a Deus, fui abençoado não só por ser são-paulino, mas também por encontrar diversos grupos de Tricolores ao longo da vida. Em um desses grupos, tinha o Caco, que foi um dos primeiros a dirigir e levar a galera para os jogos. O Caco (gente fina demais) não falava palavrão, mas usava "Corinthians" para manifestar sua raiva.
Em um certo jogo trágico, enquanto já voltavámos derrotados de um Morumbis lotado, após uma arrancada do duas-vezes caloteiro para marcar o gol da virada, encontramos o carro do Caco com o vidro quebrado e rádio roubado. E sua frustração ficou presa na garganta porque dificilmente os outros trikas entenderiam e perdoariam o uso da palavra naquele contexto. Voltamos todos em completo silêncio, só com o barulho do vento batendo nos cacos de vidro restantes. Pelo menos, levaram o rádio, então não tivemos que ouvir o pós-jogo com a piada do Gavião.
Conto essa história porque o Caco também era fã de futebol americano. Do tipo que juntava todo mundo na casa dos pais dele para ver o Super Bowl quando o show do intervalo não era tão popular - eu perdi o Onside Kick Surpresa do Saints no Super Bowl XLIV porque minha irmã-motorista não ligava para The Who. Meu amigo também incentivava os novos recrutados a escolher um time, mas lembro da cara dele quando eu falei que torcia para o Eagles. “Mas cara... eles são o Corinthians!”.
Pior que se ele estivesse usando o significado inventado por ele mesmo, não estaria completamente errado. Acompanhar os Eagles nos anos 2000 foi lindo para recrutar jovens apaixonados como eu. Eu e tantos ameagles da época tivemos a sorte de ver o sucesso construído pelo Andy Reid e McNabb colocando o time em outro patamar, mas não foi fácil. Toda grande conquista precisava superar uma decepção atrás da outra, e ainda era acompanhada de uma nova decepção muito maior em seguida. Foram muitos e muitos momentos marcantes que moldaram esse coração sofredor.
Se você torce para os Eagles, independentemente de quando entrou no bonde, você tem uma única certeza: vai aprender a não ter mais esperança, mas continuar brigando até o fim. Eu sempre digo isso para qualquer torcedor que chegou depois do Super Bowl - o vencido ou o perdido. Também chamo de modinha, claro, mas é o tipo de coisa que amar os Eagles ensina. E eu acho que deve ser muito melhor aprender de um jeito diferente do meu, acompanhando as glórias. Por isso, na lição de hoje, quero dividir uma história com vocês:
A NFL teve que lidar com uma greve dos jogadores em 1987. O contrato com o sindicato de jogadores se encerrou no começo da temporada, então os jogadores se recusaram a voltar para seus times até que suas reivindicações fossem atendidas. Vale lembrar que a liga não tinha nem o tamanho, nem o poder financeiro de hoje. Mesmo assim, jogadores não tinham direitos como melhores garantias em caso de aposentadoria e maior liberdade na discussão de contratos.
Ao contrário do que vemos nos casos mais recentes, a liga bateu o pé e seguiu a temporada normalmente, porém com os elencos dos times repletos de fura-greves (pessoas que ficaram abaixo do nível profissional mínimo, não gente como eu e você que passa 3 horas no sofá) contratados às pressas e sem experiência de jogo. Apesar da greve não ter apoio do público geral, a audiência caindo e os estádios vazios mostravam que a estratégia da liga não estava indo para o caminho certo.
Foi aí que alguns times escolheram táticas contra a união dos jogadores. O objetivo era fazer as grandes estrelas voltarem para a temporada e ganhar tempo nas negociações. Alguns indo além do limite moral, como Tex Schramm, um dos antecessores do Jerry Jones no cargo de Presidente dos Cowboys. Além de oferecer um aumento de salário para o QB endividado voltar a jogar, ele também ameaçou não pagar o contrato do RB, Tony Dorsett, se ele continuasse protestando. Aparentemente o tipo de pessoa que faz a gestão Dúlio parecer profissional.
No Eagles, o negócio era diferente. O time tinha líderes engajados com o sindicato espalhados entre ataque e defesa, organizando as linhas de bloqueio que proibiam a entrada dos fura-greves ao centro de treinamento. Em um dos protestos, os jogadores chegaram a bloquear o hotel onde esses reservas estavam hospedados, causando um engarrafamento na rodovia. Confusão e tempo suficiente para o RB Michael Haddix invadir o hotel escondido, encontrar um fura-greve e convencê-lo a desistir de entrar em campo.
No dia do primeiro jogo em greve, uma ordem judicial limitou o protesto em Philadelphia para até cerca de 50 pessoas divididas em linhas de bloqueio. Porém, os registros apontam para mais de 1.500 protestantes na entrada no estádio, incluindo trabalhadores da cidade, como encanadores e bombeiros. Uma infinidade de carros bloqueava o acesso, brigas e muito quebra-quebra, cheio de cenas lamentáveis entre os torcedores do mesmo time. Parece um dia normal de jogo no grupo de WhatsApp do Eagles Brasil, mas chegou ao ponto de jogadores e time se uniram para pedir para o pessoal pegar leve e limitar a participação de apoiadores nos protestos seguintes
O plano dos donos mantendo a temporada rolando deu certo e logo a união dos jogadores foi perdendo força. E um dos momentos marcantes durante a greve foi o primeiro clássico entre os dois rivais da NFC East. Os Eagles, com o plantel pior do que o elenco do filme "Virando o Jogo", tomou um vareio dos Cowboys com alguns titulares de volta. Poucos dias depois do jogo, a greve acabou por desistência do sindicato, e os jogadores voltaram para seus times sem nenhum avanço nas negociações.
Mas nenhuma dessas vitórias temporárias teria espaço na história. O movimento era muito forte para ser contido com alguns tropeços. Dois anos após a greve, surgiria a proposta de “passe livre” do jogador, modelo que se aproxima do “Free Agency” que regula as movimentações de jogadores na NFL atualmente.
E não é que o glorioso estava lá também? Os Eagles foram um dos importantes fatores nesse processo, já que o modelo de contrato foi o resultado de um acordo trabalhista entre o time e o craque lendário Reggie White. Agora, para onde o nosso Ministro da Defesa foi e o que ele fez lá é conversa para outra história.
Nossa história ainda precisa terminar com um final feliz. E nada aquece mais o coração do que um prato frio de vingança. Eis que o calendário nos presenteia com mais um Eagles vs Cowboys, agora com ambos os times completos. E que baile o meu Pastor Randall Cunningham entregou. NNão deve ter sobrado um ateu no Veterans Stadium, vendo os dois passes para TD e as oito corridas quebrando inúmeros tackles. E com 1:25 para acabar o jogo, vencendo por 30 a 20, só restava para os Eagles ajoelhar na linha de 30 jardas do ataque e encerrar o jogo ali.
Só que, tal como o meu amigo, o meu QB evangélico também não deveria gostar de falar palavrão. Então resolveu mostrar o seu dedo do meio em riste para toda a instituição de Dallas da única forma que não tem jurisprudência para acusação na Bíblia.
Talvez uma das trick-plays mais raras da NFL, a falsa ajoelhada que nunca mais foi repetida por nenhum outro time com tanta vantagem no placar. A afronta ao time que desconsiderou uma luta tão importante dos jogadores e fez pouco caso de seus pedidos. Assim como a greve, o lindo passe não conseguiu conectar na endzone, mas a Pass Inteference coloca o time na linha de uma jarda. E marcar um touchdown dali nunca foi problema para a gente, ao contrário de CERTAS FRANQUIAS. Só faltou um Tush Push/Brotherly Shove/Empurra Janta bem aplicado pra ver Randy White, LB dos Cowboys e o primeiro jogador a furar a greve, surfando por cima.
O jogo completo está no YouTube, e se você quiser seguir com um pós-jogo (que não conta com um humor irreverente), tem um trecho da coletiva do Buddy Ryan falando sobre ser um momento importante em respeito à luta dos jogadores. Apesar de não poder se manifestar publicamente sobre a greve, o homem que nos deu os irmãos Ryans mais uma vez se mostrou um exemplo de liderança na franquia, apoiando e tendo o reconhecimento da sua equipe.
Poucas coisas são tão representativas sobre os Eagles do que essa história. Um time que está disposto a lutar pelo que é certo e não desistir mesmo quando tudo parece perdido. Uma torcida repleta de malucos que estão mais comprometidos em ajudar na briga do que bater o pênalti. Um time que se constrói e reconstrói geração após geração, mas sempre em um caminho de respeito e compromisso. Seja por ser a única franquia com 4 gerações de Franchise QBs pretos ou porque inova na busca por condições melhores para jogadores mantendo competitividade. E, mais do que tudo isso, consegue peitar o seu maior rival multicampeão de frente e ainda fazê-lo passar raiva e vergonha, como o Tom Landry saindo de campo pistolaço sem falar com a imprensa.
Quem que não quer torcer para um time assim? Quando comecei esse texto, pensei em terminar com uma frase de efeito, do tipo “Deveria ser uma honra para certos times carregar as cores do Eagles, o time verdadeiramente amigo do trabalhador, no seu estádio”. Mas eu entendo que tradições de torcidas devem ser respeitadas e não precisamos tentar forçar o convencimento lógico ignorando coisas que envolvem a paixão. E também porque já forcei demais com toda aquela introdução do Tramontina lá em cima. Na realidade, acho melhor terminar com alguns pedidos:
• Pesquisem mais e mais sobre seus times, especialmente em conteúdos diferenciados. Esse texto foi inspirado em um episódio de “Pretty Good” do Secret Base, que estou adaptando para o Eagles Brasil. Tem muito mais coisa legal como uma montagem gloriosa demais feita com a cena do passe e os tackles quebrados do Cunninham.
• Lembre-se da importância dos Sindicatos na luta pelos direitos trabalhistas. A mobilização é o melhor caminho na luta para melhorar as condições de trabalho. Seja para permitir ler esse texto no intervalo do banheiro remunerado ou escalar a discussão sobre trabalho remoto.
• Honrem o ET Bilu e sigam buscando mais conhecimentos sobre tantas outras relações que o Eagles e o Corinthians podem ter. Eu não ligo se fizerem um desenho com a Águia e o Gavião dando a mãozinha com a bandeira do Brasil (que é verde, me disseram). Eu prefiro que vocês compartilhem essa história com todos seus amigos, os que acompanham NFL ou Corintianos (sem h, que é o certo). Prometo que se assinarem a newsletter, eu nunca vou fazer um texto sobre o gol 100 do Rogério Ceni.
Só peço, por favor de todo coração, vamos mudar essa conversa. Eu não aguento mais. Não me responsabilizo mais por minhas ações se eu ver mais uma vírgula sobre essa corintianada de camisa verde no estádio. Chega!
Vai Coringles! 🖤🤍🦅
Belo artigo amigo, parabéns 🦅